sexta-feira, 29 de julho de 2011

FÉRIAS DE INVERNO


No primeiro dia de sol convidativo Anna Carolina e eu pegamos as bicicletas e fomos bisbilhotar os prejuízos da enchente.
A mesma água que destrói também fertiliza.
Aliás, a enchente aduba o ser humano e a solidariedade transborda – pensei ao presenciar um grupo ajudando uma família com estante, mesa e  cadeiras embarradas, agora tralhas perdidas.
Sei bem o que é isso. Parte da minha infância se passou da mesma forma a cada inverno. Mas quando criança, nosso olhar é mais aventureiro e uma bacia vira barco rapidinho.

Continuamos a pedalar sem rumo prudente.
Em muitos pontos a lama já estava seca e era possível observar as impressões digitais da enxurrada –  uma crosta marrom que encardiu muros, casas, jardins e  árvores. Ao mesmo tempo sentíamos evaporar na tarde de segunda-feira o cheiro úmido e podre deixado pelas águas possessas dos esgotos e riachos e rio poluído: seria esse o sentido da vida e morte, Severina? Um insight  com os versos de João Cabral de Melo Neto.

Talvez a vida seja um eterno recomeçar mesmo.
Tanto na natureza quanto entre os Homens.
Quase todos os anos, o Vale do Taquari sofre com as conseqüências das enchentes e pessoas perdem seus bens tão duramente conquistados.
Mas ninguém abandona seu pedaço de chão.
E ir para onde, retirante?
*
Qual o sentido da vida? – pergunta-se Freud, no livro “O mal-estar na Cultura”. É uma questão que jamais obteve resposta satisfatória, conclui o pai da Psicanálise.
Ahã, mas enquanto pedalo com Anna também exercito os neurônios.

Talvez o sentido da vida seja justo o antônimo, a morte.
E uns parecem ter muita pressa em cumprir esse sentido quando bebem feito homicidas, quando buscam alienação na drogatina - e haja fígado que agüente. Outros tragam como chaminé, estocando nos pulmões 4.000 componentes químicos - os zumbis. E ainda tem aqueles que dão sentido à vida roubando inescrupulosamente e depois posando de bacana nas paginas sociais dos jornais e revistas.

*
Não é preciso pedalar morro abaixo e  assim ainda tenho tempo para me perguntar que sentido dá à sua vida a mulher do bêbado? O pai do ladrão? O marido da suicida? - antes que o grito tardio de “Cuidado!” e um buraco coberto de lama se abre a minha frente.

Resumo: pernas para cima, barro até nos cabelos e a sensação do mundo ao contrario, a roda da bici girando no alto e Anna entre o riso e o espanto.
Pensar e andar de bicicleta é um perigo: um tombo dá sentido à vida.
Do chão não passamos e é para lá, que um dia, todos vamos:

“E se somos Severinos  
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina...”







Nenhum comentário: